segunda-feira, 28 de março de 2011

O Que é Positivismo

Resumo: QUE É POSITIVISMO, João Ribeiro – Coleção Primeiros Passos, Brasiliense, 1982

OS FUNDAMENTOS DO POSITIVISMO

            “Augusto Comte usa o termo filosofia na acepção que lhe davam os antigos filósofos, particularmente Aristóteles, como definição do sistema geral do conhecimento humano; e o termo positiva designa, segundo ele, o real frente ao quimérico, o útil frente ao inútil,a segurança frente a insegurança, o preciso frente ao vago, o relativo frente ao absoluto.
                Seu método de trabalho é o histórico genérico indutivo, ou seja, observação dos fatos, adivinhando-lhes por indução às leis da coexistência e da sucessão, e deduzindo dessas leis, por via da conseqüência e correlação, fatos novos que escaparam da observação direta, mas que a experiência verificou.
(...)
                Para fundamentar sua corrente filosófica antimetafísica, Augusto Comte, embasado nesse método, parte da premissa de que é no estado positivo que o espírito humano reconhece a impossibilidade de obter noções absolutas. Assim renuncia a indagar a origem e o destino do universo e a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para se consagra unicamente a descobrir, pelo uso combinado do raciocínio e da observação, as suas leis efetivas, isto é, as suas relações invariáveis de sucessão e de semelhança.
(...)
                No desenvolvimento do espírito humano, Comte admite uma lei fundamental que recebe o nome de lei dos três estados, ou modo de pensar, que é a base de sua explicação da história: o estado teológico-fictício, que tem diferentes fases (fetichismo, politeísmo e monoteísmo) e em que o espírito humano explica os fenômenos por meio de vontades transcendentes ou agentes sobrenaturais; o estado metafísico-abstrato, onde os fenômenos são explicados por meio de forças ou entidades ocultas e abstratas, como o princípio vital etc.; e o estado positivo-científico, no qual se explicam os fenômenos, subordinando-os às leis experimentalmente demonstradas.
                Todas as ciências, segundo Comte, passaram pelos dois primeiros estados, e só se constituíram quando chegaram ao terceiro. O Estado Positivo é, pois, o termo fixo e definitivo em que o espírito humano descansa e encontra a ciência. As sociedades evoluem segundo essa lei, e os indivíduos, em outro plano, também realizam a mesma evolução.
                Partindo do princípio de que o objeto da ciência é só o positivo, isto é, o que pode estar sujeito ao método da observação e da experimentação, Augusto Comte só reconhece as ciências experimentais ou positivas, que tratam dos fatos e das suas leis. Distingue, assim, as ciências abstratas das concretas.
                As ciências abstratas, que são fundamentais, formam seis grupos e, dispostas na sua ordem hierárquica, são as seguintes: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. As concretas, como a mineralogia, a botânica, a zoologia, segundo Comte, não estão ainda constituídas e, por isso, ele não as classifica.
(...)
                Na parte especial, a doutrina positivista pode ser considerada sob quatro aspectos. (...), os aspectos sociológico e religioso, que partem desde a divisão dos poderes sociais em material, intelectual e moral, exercidos por uma elite, isto é, os dirigentes. (O Positivismo não aceita as classes com o significado geralmente empregado na atualidade. Aceita sim, que em toda a sociedade, desde a mais primitiva, há dirigentes e dirigidos. Os dirigentes devem sempre ser os mais capazes, isto é, aqueles que influem na educação e na cultura da espécie humana: são os sacerdotes, os filósofos, os cientistas, os jornalistas, os professores etc., ou melhor, os teóricos que modificam o pensamento dos indivíduos através de sua pregação e de sua conduta moral.) Embasado na concepção biológica da sociologia, Augusto Comte entende a sociedade como um organismo cujas partes constitutivas são heterogêneas, mas solidárias, pois se orientam para a conservação do conjunto. Assim, à semelhança do organismo, encontra-se nela uma divisão das funções especiais, onde se nota a presença da espontaneidade, da necessidade, da imanência e da subordinação de todas as suas partes a um poder central e superior.
Segundo Comte, a sociedade possui um ritmo evolutivo incompatível com a revolução violenta. Deste modo, concebe-a sempre em termos harmônicos. Para ele, a sociedade reflete os diversos estados da vida de um homem; dessa forma, uma vez que os organismos não podem mudar bruscamente, senão através de uma evolução paulatina, também a sociedade está sujeita a esta norma de evolução.
Partindo da idéia de que a natureza humana evolui segundo as leis históricas, embora em si mesma não ocorra nenhuma transformação, isto é, existe uma base perene no homem frente ao elemento cambiante da sociedade, Comte divide o estudo da estrutura social em dois campos principais: o estudo da ordem social, que ele denomina de estática social, e o estudo da evolução da sociedade, que recebe o nome de dinâmica social. Enquanto a estática estuda o consenso (solidariedade) ou o organismo social em suas relações com as condições de existência, traçando a teoria da ordem, a dinâmica parte do conjunto para as particularidades, e determina o progresso geral da humanidade.
Comte olha para o progresso social como condicionado pelos concomitantes biológicos dos indivíduos, de tal forma que nenhuma estrutura social é possível sem que esteja previamente determinada nos fatores biológicos, aliás irredutíveis como o são todas as categorias de fenômenos na concepção comtiana.
(...)
                O progresso da sociedade é caracterizado, assim, pela incessante especialização das funções, como todo o desenvolvimento orgânico, para maior aperfeiçoamento na evolução dos órgãos particulares.
(...)
                Desta forma, excluindo toda intervenção apriorística de noções abstratas e idéias universais, que caracterizavam as ciências sociais da época, o positivismo, "como regime definitivo da razão humana frente à ação dissolvente da metafísica" surgiu do progressismo, baseado no desenvolvimento científico que dominou todo o século XIX, como o objetivo de aproveitar as virtudes do progresso, ou da evolução progressiva, pela compreensão racional e científica do problema da ordem, determinando os elementos fundamentais de toda a sociedade humana.
(...)
                É nesta linha de raciocínio que Augusto Comte, partindo da noção de solidariedade que, em sua opinião, impera na sociedade, apresenta uma política de paz e amor, substituindo a idéia sobrenatural do Direito pela idéia natural do Dever. A política positiva não reconhece nenhum direito além do de cumprir o dever, e, assim, nega categoricamente a própria existência do direito como tal.
(...)
                Para Comte, sociologia é a ciência abstrata que estuda os fenômenos dos agrupamentos sociais. A ciência política é a aplicação prática da sociologia, estudando casos particulares, tendo porém sempre em mira o ponto de vista moral. A política é a arte de bem aplicar os conhecimentos abstratos da sociologia (saber para prever, a fim de prover). Seja como for, ciência política, para Comte, é a que diz respeito à história do Estado e/ou à teoria e prática de sua organização.
                Segundo Comte, a noção de direito deveria desaparecer do domínio político, como a noção de causa do domínio filosófico, porque ambas se referem a vontades indiscutíveis. Ele entende que o positivismo não admite senão deveres de todos para com todos; pois que seu ponto de vista, sempre social, não pode comportar nenhuma noção de direito, constantemente fundada na individualidade. (...)
                O homem como individualidade não existe portanto, na sociedade científica, senão como membro de outros grupos, desde o familiar - unidade básica por excelência - até o político.
                Também aí não há lugar para a liberdade de consciência. A consciência, para Comte, não determina sozinha o modo de existência prática, como não bastam as condições materiais da vida para definir a consciência.
                E a própria soberania popular é um termo vazio de sentido em sua política positiva, onde a ditadura se exercita num despotismo espiritual e temporal, pois adota o princípio da força como fundamento do governo.
(...)

As Escolas Antropológicas - a contribuição da Antropologia às Ciências Sociais

A CONTRIBUIÇÃO  DA ANTROPOLOGIA ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS

A Antropologia é o estudo do homem como ser biológico, social e cultural. Sendo cada uma destas dimensões por si só muito ampla, o conhecimento antropológico geralmente é organizado em áreas que indicam uma escolha prévia de certos aspectos a serem privilegiados como a “Antropologia Física ou Biológica” (aspectos genéticos e biológicos do homem), “Antropologia Social” (organização social e política, parentesco, instituições sociais), “Antropologia Cultural” (sistemas simbólicos, religião, comportamento) e “Arqueologia” (condições de existência dos grupos humanos desaparecidos).
Além disso podemos utilizar termos como Antropologia, Etnologia e Etnografia para distinguir diferentes níveis de análise ou tradições acadêmicas. Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss, a etnografia corresponde “aos primeiros  estágios da pesquisa: observação e descrição, trabalho de campo. A etnologia, com relação à etnografia, seria “um primeiro passo em direção à síntese” e a antropologia “uma segunda e  última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografia e da etnologia”. 
Qualquer que seja a definição adotada é possível entender a antropologia como uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, isto é, a busca de respostas para entendermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo “Outro”; uma maneira de se situar na fronteira de vários mundos sociais e culturais, abrindo janelas entre eles, através das quais podemos alargar nossas possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o que, afinal de contas, nos torna seres singulares, humanos.

AS DIFERENTES ESCOLAS ANTROPOLÓGICAS

Ao longo da sua existência, a Antropologia tem, como toda ciência, mudado seus paradigmas e construído formas diversas de investigação. A essas formas diferenciadas de investigação e análise dos fenômenos culturais dá-se o nome de “escola antropológica”. Constituem os principais  paradigmas e escolas de pensamento  antropológico:

Evolucionismo social ( século XIX) -  Seus principais paradigmas foram: a sistematização do conhecimento acumulado sobre os “povos primitivos” e o predomínio do trabalho de gabinete, a análise era feita a partir dos relatos de viajantes e colonizadores que chegavam às mãos dos antropólogos. Entre os temas e conceitos trabalhados por essa escola, destacam-se: a unidade psíquica do homem; a evolução das sociedades das mais “primitivas” para as mais “civilizadas”; a substituição conceito de raça pelo de cultura. Seus principais representantes foram: Maine (“Ancient Law” – 1861); Herbert Spencer (“Princípios de Biologia” - 1864); E. Tylor (“A Cultura Primitiva” - 1871); L. Morgan (“A Sociedade Antiga” - 1877); James Frazer (“O Ramo de Ouro” - 1890).

Escola Sociológica Francesa (século XIX) – Seus principais paradigmas foram:  a  definição dos fenômenos sociais como objetos de investigação sócio-antropológica e a definição das regras do método sociológico. Os principais temas e conceitos desenvolvidos por essa escola foram: as representações coletivas; as formas primitivas de classificação (totemismo) e a teoria do conhecimento. O fato social total;  a troca e a reciprocidade como fundamento da vida social (dar, receber, retribuir). Seus principais representantes foram: Émile Durkheim (Regras do método sociológico”- 1895; “Algumas formas primitivas de classificação” - c/ Marcel Mauss - 1901; “As formas elementares da vida religiosa” – 1912); Marcel Mauss (Esboço de uma teoria geral da magia” - c/ Henri Hubert - 1902-1903; “Ensaio sobre a dádiva” - 1923-1924; “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção de eu”- 1938).

Funcionalismo – (século XX, anos 20) - Seus principais paradigmas foram:  a criação de   um  modelo de etnografia clássica; a ênfase no trabalho de campo (observação participante); a sistematização do conhecimento acumulado sobre uma cultura. Os principais temas e conceitos desenvolvidos por essa escola foram:  a cultura como totalidade e o interesse pelas instituições e suas funções para a manutenção da totalidade cultural. Entre seus representantes e suas obras de referência podemos citar: Bronislaw Malinowski (“Argonautas do Pacífico Ocidental” -1922);  Radcliffe Brown (“Estrutura e função na sociedade primitiva” - 1952-; e “Sistemas Políticos Africanos de Parentesco e Casamento”, org. c/ Daryll Forde - 1950.; Evans-Pritchard (“Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” - 1937; “Os Nuer” - 1940); Raymond Firth (“Nós, os Tikopia” - 1936; “Elementos de organização social - 1951); Max Glukman (“Ordem e rebelião na África tribal”- 1963); Victor Turner (“Ruptura e continuidade em uma sociedade africana”-1957; “O processo ritual”- 1969); Edmund Leach - (“Sistemas políticos da Alta Birmânia” - 1954).
Culturalismo Norte-Americano (século XX, anos 30) – Seus principais paradigmas foram: o método comparativo, a busca de leis no desenvolvimento das culturas e a relação entre cultura e personalidade. Os principais temas e conceitos desenvolvidos por essa escola foram: a ênfase na construção e identificação de padrões culturais ou estilos de cultura (ethos). Seus principais representantes foram: Franz Boas (Raça, Língua e Cultura - 1940), Margaret Mead (Sexo e temperamento em três sociedades primitivas - 1935), Ruth Benedict (Padrões de cultura- 1934; O Crisântemo e a espada- 1946).

Estruturalismo (século XX, anos 40) – Seus principais paradigmas foram: a busca das regras estruturantes das culturas presentes na mente humana; a teoria do parentesco; a lógica do mito e as formas  primitivas de classificação. Os principais temas e conceitos desenvolvidos por essa escola foram: os princípios de organização da mente humana; o princípio da reciprocidade. Seu principal representante é Claude Lévi-Strauss (As estruturas elementares do parentesco- 1949; Tristes Trópicos- 1955; Pensamento selvagem – 1962; Antropologia estrutural – 1958.

Antropologia Interpretativa (século XX, anos 60) – Seus principais paradigmas foram: a cultura como hierarquia de significados; a  busca da descrição densa. A interpretação sob inspiração hermenêutica. Os principais temas e conceitos desenvolvidos por essa escola foram: a interpretação antropológica; a  leitura da leitura que os nativos fazem de sua própria cultura.  Seu principal representante é: Clifford Geertz (A interpretação das culturas – 1973; Saber local  – 1983);

Antropologia Pós-Moderna ou Crítica (século XX, anos 80) – Seus principais paradigmas foram: a preocupação com os recursos retóricos presentes no modelo textual das etnografias clássicas e contemporâneas; a politização da relação observador-observado na pesquisa antropológica; a crítica dos paradigmas teóricos e da autoridade etnográfica do antropólogo. Os principais temas e conceitos desenvolvidos por essa escola foram: a cultura como processo polissêmico; a etnografia como representação polifônica da polissemia cultural; a antropologia como experimentação da crítica cultural. Seus principais representantes foram: James Clifford e Georges Marcus (Writing culture - The poetics and politics of ethnography- 1986); George Marcus e Michel Fischer (Anthropoly as cultural critique - 1986); Michel Taussig (Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem- 1987); James Clifford (The predicament of culture - 1988).

A Construção do Conhecimento Sociológico

-          Contextualização Histórica do Surgimento da Sociologia
-          Problemas Metodológicos Centrais da Sociologia

            Transformações de ordem intelectual situadas no âmbito da cultura, sobretudo, da ciência e da filosofia, conjugadas às condições sociais de liquidação do "ancien régime"  e da inauguração da era industrial, que consolida o sistema de produção capitalista, constituem as condições históricas em que a sociologia surge como conhecimento específico. É neste cenário marcado por radicais transformações em todos os aspectos, que, constituindo seu objeto e estabelecendo regras metodológicas alicerçadas naquelas próprias das chamadas ciências da natureza, o conhecimento sociológico alcança autonomia em relação a filosofia e as demais ciências sociais.
            As substanciais modificações das técnicas produtivas introduzidas pela Revolução Industrial, reorganizaram as relações sociais em torno da produção fazendo emergir uma série de novos problemas sociais tais como a explosão demográfica nos espaços urbanos – tornados centros nervais da ordem capitalista; a evidente oposição entre capital e trabalho dando origem a uma complexa estrutura de classe que opõe capitalistas e trabalhadores, ou seja, aqueles que detêm os meios de produção (máquinas e capital) e aqueles que detêm apenas a sua força de trabalho, evidenciando nesse confronto o poder econômico, político e sócio cultural da classe capitalista.
            Todas estas transformações causaram o que poderíamos considerar um efeito traumático no modo de vida da época. Miséria, exploração, falta de condições elementares de sobrevivência como moradia; saneamento básico nos centros urbanos já desenvolvidos; saúde e uma série de outros artigos indispensáveis à possibilidade de uma vida social, pelo menos dentro dos limites humanamente aceitáveis, provocavam profundas insatisfações e constantes conflitos entre a classe trabalhadora e os proprietários capitalistas e tais conflitos se estendiam ao campo expressos no confronto entre terra e trabalho. Na medida em que esses conflitos se acirravam, os trabalhadores desenvolviam uma consciência de classe e organizavam-se contra os proprietários dos meios de produção. Em oposição a ordem capitalista, propunham uma alternativa socialista como forma de superação das desigualdades que os lançavam em situação de sub-vida.
Todo esse panorama colocava a vida social sob a condição de problema que exigia premente investigação de forma que fosse possível uma atuação eficaz no sentido de restabelecer o equilíbrio social. É claro que, tal qual a realidade vigente repleta de contradições, a sociologia, ciência que tenta responder a essa necessidade, reflete inteiramente os confrontos de classe da época, sobretudo por se tratar de uma ciência que nasce sob a exigência de um retorno prático sobre a realidade a qual tenta dar conta em suas investigações. Nesse sentido, é próprio afirmar que, se é verdade que toda ciência desenvolve-se dentro de certas condições e interesses, a sociologia aprofunda essa relação na medida em que tenta responder à necessidade de transformação de uma realidade social concreta e eminentemente  contraditória, possibilitando tanto um projeto social que sustente os interesses capitalistas, quanto uma proposta de superação dessa ordem. 
No âmbito das transformações filosóficas e culturais, o cenário da época não é menos conturbado. O processo de transformação do espírito ocidental moderno, que teve início nos Séculos XV e XVI com o Renascimento, apresenta uma série de modificações nas formas de conceber tanto a natureza quanto o homem e suas relações. A superação do horizonte teológico medieval, apartando definitivamente filosofia e religião, promove a autonomia e fortalecimento da razão em relação a teologia possibilitando um crescente processo de secularização que representa, nos mais diversos níveis da vida, um rompimento profundo com certas explicações que, até o período medieval, respondiam satisfatoriamente a uma série de questões relacionadas a ordem natural e social.
O racionalismo moderno provoca questões relativas a objetividade do conhecimento fundado sobre bases metodológicas que descartam definitivamente os antigos dogmas religiosos, não obstante guarde traços da metafísica – um exemplo clássico é Descartes que vê em um ser perfeito – em última análise Deus, a condição essencial de possibilidade da existência da realidade e do conhecimento dessa realidade, quando teoriza sobre sua idéia perfeita e irrefutável do “Eu Penso”.
Essa consciência secularizada possibilitou uma nova concepção de sociedade que se constituiu como objetividade possível e, portanto, como objeto passível de investigação pelo conhecimento científico. Nesse período a ciência inaugurada com o pensamento moderno já alcançava enorme prestígio e era responsável pelos avanços técnicos que possibilitou a Revolução Industrial. Além disso, a progressiva utilização do método científico baseado na observação e experimentação, abria uma possibilidade sem precedentes de conhecimento e controle de uma enorme variedade de fenômenos naturais conferindo ao homem um papel de dominador diante da natureza.  Essa dominação convertia-se no âmbito da sociedade na idéia de homem como sujeito histórico e na compreensão da história como um trajeto lógico, racional e, portanto, inteligível.
O pensamento iluminista, surgido na França do Século XVIII, fortemente influenciado pelo modelo das ciências da natureza, sobretudo pela física newtoniana, rompe definitivamente não apenas com a ordem social feudal mas também com as formas tradicionais do conhecimento fundadas sobre  princípios teocêntricos e metafísicos. Ideólogos da classe burguesa, os iluministas apresentavam a razão como redentora e único meio de alcançar uma sociedade mais justa. É claro que esse discurso libertador só se manteve durante o período em que a burguesia ainda lutava para destruir a antiga ordem feudal. Depois de alcançada a  sua hegemonia econômica, política e social e cultural, a burguesia assumiu posição bem menos revolucionária.
Nessas condições, o pensamento positivista, sistematizado por Augusto Conte, encontra o suporte necessário para desenvolver a proposta de uma ciência da sociedade cujo padrão de procedimento é a aplicação técnica das leis científicas que regem a sociedade humana, considerando que essas leis possuem um caráter natural como aquelas que regem a natureza. Vale ressaltar que as teorias de Conte vão se desenvolver em período ulterior a Revolução Burguesa e assume claramente a tarefa de conter a propagação de surtos revolucionários e aparar as arestas deixadas pelo processo de implementação do projeto burguês.
É nesse sentido que a sociologia surge como ciência comprometida com interesses de classe e desenvolve toda uma lógica teórico-metodológica baseada  nos princípios de objetividade e neutralidade científica, buscado descobrir as leis que regem a sociedade e uma vez de posse desse conhecimento orientar a melhor forma de controle social.
Como disse, toda ciência nasce marcada pelas condições e interesses do seu tempo. A sociologia, pela própria natureza do seu objeto, aprofunda essa relação na medida em que objeto e sujeito do conhecimento são idênticos. Aqui começam os problemas metodológicos centrais que atravessam toda a trajetória do pensamento sociológico.
Compreendemos que a estrutura metodológica instituída pela ciência é correlata ao objeto que pretende conhecer e, nesse sentido, é, em última instância, o objeto que determina a natureza do método. Dessa forma, é preciso que se compreenda como se constitui o objeto específico da sociologia para que se possa entender os problemas fundamentais que envolvem a sua metodologia.
A princípio a sociologia tem como objeto a sociedade, mas o que é a sociedade se não uma abstração que carece de substancialidade e que só somos capazes de experimentar através dos indivíduos? Como então objetivar a sociedade de forma que sejam os grupos e não os indivíduos particulares que ofereçam os dados necessários às investigações sociológicas. As respostas para essa indagação inicial estava longe de ser uma unanimidade. Os teóricos considerados clássicos da sociologia, em razão do papel fundador de suas teorias, no caso Durkheim, Weber e Marx encontram soluções diferentes para a questão e apresentam, respectivamente, as instituições, a ação social e o conflito de classes como os objetos específicos dessa ciência. Contudo, as dificuldades metodológicas fundamentais são comuns a todos eles na medida em que precisam lidar com algumas especificidades do fenômeno social que remetem a algumas indagações iniciais imprescindíveis tais como: o que possibilita que as coletividades existam e se mantenham? e correlativamente, como o indivíduo se liga a essa coletividade? como se organizam ou se estruturam os quadros sociais da vida humana? como se produz e se explica a mudança, a evolução das sociedades humanas?
Essas questões, relativas a natureza do objeto sociológico, suscitam dificuldades metodológicas que se referem a regularidade do fenômeno social e a possibilidade de ampliar a experiência particular dando condições a elaboração de categorias universais e portando, válidas cientificamente e, na direção contrária,  a conciliação das generalizações teóricas e as bases empíricas; o confrontamento entre os procedimentos metodológicos quantitativo (mensuração) e qualitativo (compreensão) como instrumento mais adequado ao conhecimento da realidade social; a problemática da relação sujeito-objeto que encontra-se na base do princípio de objetividade científica.
A diversidade de interesses que compõe o cenário do surgimento da sociologia promoveu variadas possibilidades de procedimento metodológico que possuem diferenças fundamentais no pensamento dos teóricos anteriormente citados e apresentados aqui como referência básica na discussão que se segue, já que representam as matrizes a partir das quais se desenvolvem todas as reflexões desenvolvidas pelo pensamento sociológico posterior.
Para Durkheim, a distinção entre consciência individual e consciência coletiva, resolveria o problema em torno da questão da possibilidade de universalização das leis sociais uma vez que a consciência coletiva guardava certas característica presentes em todas as sociedades, independente de suas manifestações particulares, constituindo assim um padrão institucional regular e, portanto, passível de uma análise positiva. Assim sendo, preso ainda ao modelo positivista de ciência e à concepção organicista de sociedade propostos por Comte, implementa um modelo metodológico em que, a princípio, não coloca o problema da objetividade já que não considera qualquer distinção essencial entre as ciências da natureza e a ciência da sociedade, mesmo que isso não implique a não distinção entre seus respectivos objetos. Nesse caso, assume a perspectiva quantitativa, peculiar ao método das ciências da natureza, como modelo de referência básica para a sociologia. O que propõe como objeto de investigação sociológica – as representações sociais nos mais diversos graus de institucionalização, deve ser apreendido e tratado como coisa exterior, ou seja, para além dos sujeitos sociais, dotado de certo grau de autonomia, o que garantiria a neutralidade do sujeito frente ao objeto e, consequentemente , a objetividade do conhecimento por ele produzido.
          Na concepção de Weber, partindo da ação social considerada enquanto ação dotada de intencionalidade por parte do sujeito social, a relação sujeito-objeto adquire maior complexidade. O método por ele proposto admite dois momentos distintos: um primeiro em que a subjetividade se apresenta como instrumento fundamental no processo de construção do objeto a ser analisado – e aí cabe considerar todas as determinações, preconceitos e valores referentes ao sujeito; e um segundo, onde uma vez constituído o objeto, é elaborada uma estratégia metódica de construção de uma tipologia ideal e a subjetividade deve ausentar-se inteiramente do processo analítico. Weber entende que isso garantiria a objetividade do conhecimento produzido e resguardaria a especificidade do objeto analisado, ou seja, o jogo de interesses e dominação a ele peculiar. Diferente de Durkheim, Weber não considera as representações sociais como algo exterior aos indivíduos e em razão disso compreende a sociedade como um constante arranjo de interesses e relações de dominação que exige, para sua compreensão, a inclusão dos sujeitos sociais como parte essencial do processo. Nesse sentido, ele nega a possibilidade da formulação de conceitos produzidos pelas ciências sociais que possuam validade universal, já que o constante fluxo de sentidos impede uma apreensão definitiva da realidade social, o que não impediria, por outro lado, a formulação de um conhecimento objetivo. Além disso sustenta que a sociedade não possui uma ordem que lhe seja inerente. Portanto, uma ciência da sociedade tem como tarefa ordenar racionalmente  os dados sociais observados e não conhecer uma ordem já estabelecida.
Contrapondo-se ao projeto positivista que pretendia fundamentar cientificamente a manutenção da ordem burguesa, o pensamento socialista apresenta uma ciência da sociedade que, fundada sobre o princípio do conflito (luta de classes) assume um posicionamento crítico frente a essa sociedade propondo caminhos para sua superação. Comprometida com a luta política e assumindo um caráter materialista dialético, as reflexões de Marx não apresentam sistematicamente uma proposta metodológica para a sociologia, mais ainda, não enquadram-se no modelo tradicional de reflexão sociológica vez que não considera as ciências humanas como especialidades desvinculadas, considerando, contrariamente, a impossibilidade de separação dos diversos saberes – história, antropologia, economia, política, sociologia, psicologia, e demais saberes.
Contudo, é possível, como afirma Michael Lövy, distinguir no interior de suas análises da sociedade capitalista uma postura metodológica que pode ser apreendida em sentido mais amplo, sobretudo no que se refere a questão da objetividade e neutralidade científica. Em suas teorias sobre a relação entre estrutura e superestrutura, Marx  evidencia a noção de que todo pensamento produzido, seja ele da ordem da política, da cultura ou mesmo da ciência está inevitavelmente ligado aos interesses de classe, em outros termos, é possível dizer que a ciência não possui neutralidade na medida em que é produzida dentro do conflito de classes fora do qual nada pode situar-se. Isso não significa que a ciência resultante daí não possua validade. O que vai conferir validade ao saber científico produzido não diz respeito a sua neutralidade, já que essa é impossível, mas a possibilidade de constituir-se enquanto instrumento transformador de uma dada realidade existente. Mostra-se assim, inequivocamente, o compromisso de classe assumido pelo  próprio Marx que  se assumia como “representante científico do proletariado”.
       Como vimos, os problemas que envolvem os procedimentos metodológicos no âmbito da sociologia não se constituem como matéria simples, o que parece razoável se atentarmos para a natureza do objeto que tenta dar conta assim como para as múltiplas variáveis que envolvem o próprio sociólogo. Seria possível prosseguir e aprofundar essa análise não fosse a natureza e objetivo que a caracteriza. É necessário, no entanto, ter em vista que a abordagem aqui desenvolvida envolve questões sobre as quais o pensamento sociológico está longe de alcançar um consenso.

 Por Sandra Mesquita


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